Alessandra Korap Munduruku, liderança indígena do povo que habita tradicionalmente a região do rio Tapajós, é uma das ganhadoras do prêmio Goldman Environmental de 2023, considerado o mais importante para ativistas ambientais. Ela é a segunda mulher brasileira a receber o prêmio. v6b4j
O prêmio, dado a defensores ambientais desde 1989, aponta um destaque para cada região considerada na avaliação do júri internacional: África, Ásia, Europa, ilhas e nações insulares, América do Norte, América do Sul e Central, onde a voz de Alessandra foi reconhecida como a mais atuante. "É um reconhecimento da luta de todo o meu povo, de todas as mulheres que não conseguiram chegar até aqui. Não quero ver vista e ouvida depois que eu estiver morta. Dorothy Stang e Chico Mendes morreram nesta luta. Quero ser vista agora, neste momento, nesta existência", disse Alessandra à DW dias antes de receber o prêmio em São Francisco, Estados Unidos.
O papel da ativista contra os planos de extração de cobre na Amazônia da mineradora inglesa Anglo American teve grande peso na escolha. Ela mobilizou as aldeias que seriam impactadas e criou uma estratégia para barrar o empreendimento, que afetaria povos indígenas no Pará e Mato Grosso. Pressionada, em maio de 2021 a empresa se comprometeu publicamente a desistir dos 27 projetos de pesquisa do minério, que já tinham aval da Agência Nacional de Mineração.
"A campanha bem-sucedida de Alessandra representa uma mudança significativa na responsabilidade do setor privado em relação à mineração destrutiva no Brasil em meio a uma intensa pressão do governo pela extração na Amazônia", pontua o texto sobre a brasileira publicado pela Fundação Goldman, que concede o prêmio, fazendo menção ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Imagem: Isadora Brant/BBC.
Alessandra Munduruku é a segunda mulher brasileira a ganhar o Goldman Environmental Prize. Em 1996, Marina Silva, atual ministra do Meio Ambiente, fora reconhecida como figura central nos protestos contra o desmatamento ao lado de Chico Mendes.
Nasce uma liderança Em 2014, Alessandra Munduruku começou a questionar políticos e empresários em sua cidade natal, Itaituba (PA), sobre o desaparecimento de florestas para a construção de loteamentos.
"Eu comecei a pensar que havia algo de errado. Que meus filhos não teriam o ao nosso território, que meus netos não veriam mais a floresta ", afirma sobre sua motivação.
No ano seguinte, preocupada com o possível barramento do rio Tapajós para a construção da hidrelétrica São Luiz do Tapajós, ela tomou o microfone durante uma audiência em Santarém. "As pessoas ficaram perguntando 'quem é essa que está falando?'. Ninguém me conhecia. Depois disso, eu comecei a ser para as reuniões", relembra Alessandra.
Até então, pontua a líder, ela acreditava que os impactos da destruição que assistia no seu território eram s. "Quando comecei a me aprofundar, vi que a luta era muito maior. Era plano de construir usina hidrelétrica, hidrovia, mineração, concessão florestal. Vi que não era só meu território, mas toda a Floresta Amazônica em jogo", conta.
Segundo estudos publicados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a usina de São Luiz do Tapajós seria a maior das 43 planejadas em toda a bacia, com geração de 4.012 MW. O empreendimento afetaria diversas comunidades tradicionais e povos indígenas, em especial os munduruku, conforme relatórios do Ministério Público Federal. Em 2016, o licenciamento foi suspenso pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Alessandra faz parte do forte e organizado movimento de resistência de base Munduruku, que inclui Caciques, mulheres e crianças. Em 2021, ela foi escolhida pelas 13 aldeias Munduruku do Médio Tapajós para ser coordenadora legítima da Associação que representa do povo Munduruku do Médio Tapajós -Pariri e se juntar com outras associações de resistência do povo Munduruku. Segundo ela: “Tudo que faço na minha luta é feito com e para o coletivo. As lideranças Munduruku não agem individualmente nem buscam reconhecimento individual. Minha luta e minha voz fazem parte de processos coletivos de muita resistência, junto com os Caciques e outras lideranças que se levantaram pelos nossos direitos.”

Mercúrio no corpo e atentados
A partir de 2019, o aumento das invasões e do garimpo levou os munduruku a buscarem mais apoio para denunciar a ilegalidade. Numa das ações, Alessandra pediu para que pesquisadores da Fiocruz ajudassem os indígenas a identificar o nível de mercúrio que carregavam no corpo. O metal, um risco à saúde, é usado pelos garimpeiros para isolar o ouro extraído.
O resultado da pesquisa feita a partir do fio de cabelo foi alarmante: todos os participantes estavam contaminados. Até 58% deles tinham um nível de concentração do metal acima daquele considerado seguro por agências de saúde.
"O discurso do Bolsonaro, de que ia legalizar o garimpo na Amazônia, foi um grande incentivo. Tinha empresário que já estava dentro do território, que tinha avião, e que aumentou a atividade ilegal lá dentro por causa desse incentivo do ex-presidente", diz Alessandra, acrescentando que lideranças yanomami denunciavam o cenário grave há bastante tempo.
No período, os atentados contra lideranças se tornaram frequentes. A casa de Alessandra, por exemplo, foi invadida duas vezes. Maria Leusa Munduruku, voz também atuante contra o garimpo, teve a residência incendiada. Houve ainda a tentativa de queimar um ônibus que levava caciques para uma reunião em Brasília.
"Foram inúmeros ataques. Muitas vezes tivemos que fugir. Mas nós fomos a resistência mesmo. Nós, mulheres, não desistimos, estávamos preocupados com o nosso território", relembra a premiada.
"Governo nenhum vai nos silenciar"
Após quatro anos de política anti-indígena de Bolsonaro, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência trouxe um alívio momentâneo às lideranças indígenas. Para o seu terceiro mandato, Lula prometeu retomar os processos de demarcação dos territórios e fundou um ministério destinado aos povos indígenas, comandado por Sonia Guajajara.
A visita do presidente à China e as conversas sobre o Mercosul, por outro lado, deixam Alessandra Munduruku em alerta. "Não é só dar ministério e secretarias. Dizer que quer trazer ferrovia, falar nesse desenvolvimento com a China, é preocupante para nós porque sabemos que isso vai acontecer em cima dos nossos territórios. O agronegócio quer avançar sobre nossos rios, nossas terras", critica.
Citados pela primeira vez em documentos históricos escritos por homens brancos em 1768, os munduruku ainda aguardam a finalização de processos de demarcação. No Pará. as Terras Indígenas (TI) Sawré Muybu, Sawré Apompu e Sawré Juybu ainda estão em fase de identificação. As TIs Sai Cinza, Kayabi, Apiaká-Kayabi, assim como as reservas Praia do Mangue e Praia do Índio foram reconhecidas, homologadas.
"A nossa luta sempre foi pela defesa do território, do povo. Nenhum governo vai nos silenciar. A gente vai continuar essa luta de não barrar nossos rios, de não ter avanço do desmatamento", comenta Alessandra.
"Não queremos ser usados"
Na última década, Alessandra se tornou uma das lideranças indígenas mais proeminentes na defesa da Amazônia, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. A partir de 2015, ela participou da luta dos povos indígenas e tradicionais contra uma série de barragens hidrelétricas que estavam planejadas para serem construídas em sua região e, em 2015, juntou-se ao povo Munduruku em sua bem-sucedida oposição aos planos do governo de construir a Usina Hidrelétrica de São Luís do Tapajós. Embora o projeto tenha sido arquivado em 2016, os Munduruku temem que ele possa ser reativado a qualquer momento. Hoje a principal luta é a demarcação dos territórios Munduruku do Médio Tapajós principalmente TI Sawre Muybu.
Como parte de um movimento emergente de lideranças indígenas femininas, Alessandra teve que conquistar o reconhecimento dos Caciques e do povo Munduruku. Ela também teve que enfrentar os desafios de conciliar um ativismo político incansável com o papel de mãe e exemplo para outras mulheres. Em 2018, decidiu estudar Direito para melhor representar os Munduruku: "Meu sonho é um dia poder defender os direitos do meu povo diante do Supremo Tribunal Federal".
Para o público internacional, a líder quer ressaltar a importância da proteção dos territórios indígenas para conservar a Floresta Amazônica e pedir apoio para que eles sejam demarcados. "Não queremos ser um objeto usado pelos governos lá fora. Sabemos que muitos querem se aproveitar para entrar e explorar o nosso território. Isso a gente nunca vai aceitar", ressalta.
A premiação aconteceu ao vivo no dias 24 de abril em São Francisco e a outra etapa será 26 de abril em Washington, DC. Alessandra viajou acompanhada do grande Cacique Juarez Saw Munduruku.
(As informações são: Portal uol.com.br/ecoa)
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